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Fausta Cardoso: "É fundamental educar uma nova geração de leitores exigentes, críticos e dispon


Fausta Cardoso Pereira nasceu em Lisboa. Estudou Publicidade e Marketing, Comunicação Social e Sustentabilidade.É formadora na área da escrita criativa e antes foi responsável pela gestão de projectos educativos na Fundação PT, tendo sido premiada com o Troféu Português de Voluntariado em 2012, pelo projecto “Comunicar em Segurança”, atribuído pela Confederação Portuguesa de Voluntariado. Trabalhou, ainda, na produção de cinema de animação e na gestão do projecto educativo “Filmes do Recreio” que, durante cinco anos, contou com o apoio do Ministério da Cultura. Dois dos filmes realizados ao abrigo deste projecto, cujo principal objectivo era o de aproximar crianças, entre os 6 e os 9 anos, do cinema de animação, foram premiados em 2001 e 2002 no Festival Internacional de Cinema de Animação de Espinho – CINANIMA. O seu livro mais recente, “Dormir com Lisboa”, foi o vencedor do II Prémio Antón Risco. É ainda autora de “O Homem do Puzzle” e “Bom Caminho”.

Texto e fotografía: Ficha da autora na web de Urco editora/ Páxina web persoal

 

- Cal é o xerme de Dormir com Lisboa? Como xorde esta novela?

Dormir com Lisboa parte da minha intenção de transformar uma cidade numa personagem. Inicialmente não tinha pensado em Lisboa, pensei numa cidade completamente imaginada, no entanto, num momento inconsciente e involuntário (a criatividade tem vontade própria) escrevi a seguinte frase: “Lisboa acordou zangada. Lisboa adormeceu satisfeita. Entre um momento e outro, Lisboa esteve furiosa.” A partir deste momento Lisboa invadiu o meu trabalho e já não consegui pensar na história sem que ela fosse a personagem principal. Esta frase ficou como abertura do livro.

- Que supuxo para vostede gañar o II Antón Risco de literatura fantástica?

Este prémio aproximou-me da Galiza e de uma realidade literária que me era desconhecida. Percebi que a comunidade literária na Galiza é mais informal que em Portugal e que há uma partilha genuína, uma consciência de grupo necessária para sobreviver e ultrapassar dificuldades.

- Lisboa nesta novela é un ser vivo. A cidade mesmo engulle ós seus cidadáns e ten grietas. Este aspecto supón tamén unha revisión e homenaxe ó terremoto de Lisboa do 1755?

Quem vive em Lisboa esforça-se por não pensar no terramoto de 1755. Não é uma memória positiva. Além do mais, a cidade de hoje não está preparada para um terramoto, quer em termos de construção dos edifícios, quer em comportamentos adequados numa eventual situação destas. Vivemos num equilíbrio muito frágil: conhecemos a realidade histórica, sabemos que não estamos imunes a outro evento e temos consciência da falta de preparação. Contudo, não pensamos no assunto e seguimos a nossa vida. O lisboeta pensa para consigo: pode ser que não aconteça...

- A idea da fragmentación, da "peça", tamén aparece na súa obra O homem do puzzle (Planeta, 2015)…

Gosto do absurdo na literatura. A ideia de um homem que não encontra a última peça que lhe falta para terminar o puzzle mais difícil do mundo é, na verdade, uma metáfora para a procura da ordem, interna e externa. Em Dormir com Lisboa, a ideia do absurdo transforma-se numa improbabilidade: Lisboa abre buracos para fazer desaparecer pessoas. E se o que damos por garantido, o chão, nos fugisse? É este o ponto de partida para desconstruir a identidade de uma cidade (Lisboa ou outra). Uma cidade não é controlável, ela tem vida própria, é um sistema de muitas vontades. Aliás, o nome do livro reflecte precisamente esta ambiguidade: todos queremos ser seduzidos pela cidade, deixarmo-nos conduzir por ela, enamorarmo-nos pelas ruas e ambientes. Contudo, no outro extremo, está a vontade de dominar o espaço, de o controlar e de impormos uma determinada visão que temos para ela.

- Pretende con Dormir com Lisboa facer unha radiografía da cidade moderna e capitalista?

Pretendo reflectir sobre a forma como nos relacionamos com a cidade e de quem somos quando nos deixamos invadir por ela. Preocupa-me o humanismo nas cidades, no controlo cada vez mais absoluto ao ponto de se transformarem em parques temáticos. As cidades são ou não espaços de vida? Que elementos definem a sua identidade? Quem sou por viver nesta cidade? Pretendo reflectir sobre este sistema complexo de relações e deixar muitas perguntas na cabeça do leitor. O meu trabalho é o de levantar pistas e eu desejo que os leitores se sintam convidados a interpretá-las. É um livro, na minha opinião, que deixa para o leitor algum trabalho para ele fazer. Mas, para mim, a literatura é um ponto de partida.

- Cales das súas lecturas pensa que inflúen especialmente na súa narrativa?

Todas as minhas leituras, de uma forma ou de outra, contribuem para o meu trabalho literário. O processo criativo é, também, um processo inconsciente, por isso, acho que a vida no geral e as artes no particular, influenciam a forma como escrevo e as histórias que conto.

Mesa de traballo da autora, herdanza dunha persoa que a trouxo de Macau, coa presenza do seu gato.

(Fotografía cedida pola autora)

- Tivo algún contacto previo coa literatura galega? Consume vostede libros en galego con frecuencia?

Antes de ganhar o prémio tinha um carinho especial pelo autor Gonzalo Torrente Ballester. Com o prémio, tenho vindo a conhecer outros autores e as minhas estantes estão agora mais completas, inclusive, em galego. Não sinto grandes dificuldades com a língua. Neste momento estou até a ler História de Galicia por Ramón Villares, já um clássico.

- Cal é a súa opinión sobre o estado actual do mecado literario portugués?

As editoras em Portugal arriscam pouco na produção literária nacional. Preferem importar e traduzir autores seguros. Géneros como o fantástico, a ficção cientifica, a poesia, o teatro ou os contos, são apenas alguns exemplos da fraca aposta quando falamos da publicação de autores portugueses. Curiosamente, encontrei na Galiza uma resiliência por parte de editoras e autores; um número significativo de autores galegos destes géneros que fazem questão de não desistir. É claro que precisamos de leitores, e é aqui que reside a necessidade de aposta. É fundamental educar uma nova geração de leitores exigentes, críticos e disponíveis para a diversidade.

- Para rematar. Ten algún proxecto literario en marcha do que poida adiantarnos algo?

Não costumo falar do que estou a escrever. Julgo que a energia deve ir directamente para o papel. Se falar muito sobre os meus projectos, a energia acaba por se esgotar na oralidade. Mas continuo a escrever, como uma necessidade que se impõe no meu espírito e no meu corpo. Já não sei viver de outra forma.

 

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