Carla Pais: "A miséria tem de ter voz para que a sociedade tenha ouvidos"
Carla Pais nasceu em Leiria, em 1979. Abandonou a escola aos dezassete anos para ser mãe, terminando mais tarde o 12.º ano à noite. Em 2012 decidiu instalar-se de armas e bagagens em França, onde fez limpezas, embalou salmão e tomou conta de crianças. Hoje é empregada de escritório num Centro de Formação à Distância.
Em 2015 venceu o Prémio Literário Horácio Bento Gouveia com o conto «A Alma do Diabo». No mesmo ano obteve também o terceiro lugar no concurso de poesia Agostinho Gomes com o poema «Assimetria dos Lábios». Em 2016 o seu conto «O búzio do meu pai» foi selecionado para integrar a antologia de contos A Infância, promovida pelo Centro de Estudos Mário Cláudio. Em 2017 a sua obra A Instrumentação do Fogo arrecadou o Prémio de Poesia Francisco Rodrigues Lobo. Indigitado para o Prémio Revelação Agustina Bessa-Luís de 2016, o presente romance, Mea Culpa, acabou por não o obter, dado que a autora tinha publicado anteriormente uma outra obra de carácter ficcional, o que o regulamento não permitia.
Texto: Porto Editora / Fotografía cedida pola autora
- Comecemos con algo sinxelo. Cando comezou a escribir?
A adolescência é terrível, traz-nos uma avalanche de emoções controversas que não sabemos gerir porque estamos em plena construção enquanto indivíduos. E isso aconteceu-me, via o mundo todo do avesso e ninguém me entendia até ao dia em que a patroa do meu pai, uma professora de português e inglês, me ofereceu um diário com cadeado e folhinhas perfumadas. Ia fazer treze ou catorze anos. Percebi ali que a escrita me podia aliviar, foi aí que comecei a escrever… No início para me libertar, depois pelo gozo de me sentir liberta.
- Cales son as lecturas que máis influiron a súa escrita? Cal é a súa actual lectura?
Tenho um certo fascínio por Rui Nunes, ou por Maria Velho da Costa, ou por Herberto Hélder ou Philippe Roth ou Herta Muller entre muitos outros que aprecio naturalmente e dos quais não abdico, mas estes são escritores que nos metem no lugar e nos lembram a cada livro de que somos mesmo muito pequeninos, que pouco ou nada sabemos de Literatura e eu gosto de me sentir assim, de pés assentes no chão. São escritores que nos levam à exigência. E um autor tem de ser exigente como leitor para poder vir a ser um escritor de qualidade. Ainda que a qualidade seja discutível, há escritores que são indiscutíveis e são esses que privilegio. Actualmente ando a ler a poesia de Luís Quintais, um poeta português extraordinário que gosto de ir saboreando aos poucos, para que não acabe nunca!
Carla Pais remexendo nos seus andeis. (Fotografía cedida pola autora)
- É complexo para unha autora, que debuta na literatura, facerse un oco no sistema literario portugués?
Penso que para um novo autor é sempre difícil fazer eco com a primeira obra, seja na literatura portuguesa seja numa outra qualquer. Além do mais, o mercado literário em Portugal é muito pequenino e temos bons escritores. É preciso estarmos conscientes da nossa pequenez e continuar a trabalhar, o resto há de acontecer no seu tempo de acontecer.
- Cal é o xerme de Mea Culpa (Portoeditora, 2017)?
Este livro nasce precisamente deste meu desentendimento em relação ao preconceito, ao julgamento alheio. Aos rótulos que colamos na testa do outro pela roupa que veste, pelo nome que carrega, pela profissão que exerce, pelos estudos que fez. Então apareceu-me o Amadeu como um maltrapilho, filho de uma prostituta, que gostava de ler Herberto Hélder.
- Críticos como Diogo Vaz, sinalan que o seu libro <<com todo o seu investimento poético, não disfarça uma duríssima experiência da vida>>. Cre que este libro ten tanto seu ou que é unha apreciación que precisa matices?
A dura experiencia de vida da qual fala o critico não tem que ver comigo directamente, antes com o que os meus olhos foram guardando na infância. Nascer numa aldeia como eu nasci é crescer rodeada de histórias. Nos anos 80/90 o acesso à informação era muito reduzida, a aldeia era quase o mundo inteiro dentro das nossas cabeças de meninos, então crescemos a observar e a ouvir. É evidente que essas experiências, essas memórias passam para a escrita. Todos os escritores deixam um bocado de si a cada livro que escrevem.
- O peso do ruralismo nesta historia é algo indiscutible. O espazo no que se atopan os personaxes é mesmo agresivo con eles.
É agressivo porque o mundo é agressivo. Muito duro para quem tiver a ousadia de o observar. As sociedades são limadas para condenar, rejeitar, agredir os mais fracos. Contudo, acredito na esperança, por isso redenção. Só que para existir este tipo de resgate é preciso ir à raiz das coisas, despir o mundo dos seus enfeites, limpá-lo de artefactos e deixá-lo nu, daí nasce o choque, a tal dureza que este livro traz. Por vezes é preciso sacudir os olhos de uma sociedade inteira. Afastar a névoa e mostrar aquilo que teimamos em esconder. A miséria tem de ter voz para que a sociedade tenha ouvidos.
- Tamén a estrutura do relato vese nos brevísimos capítulos e na construcción dos mesmos case como retallos.
Este livro é uma especie de jogo de espelhos, onde ninguém é o que parece ser, por isso não podía escrever capítulos muito longos, pois tudo acontece em simultâneo e eu quería criar essa curiosidade no leitor… esse encaixe de vidas que se cruzam e descruzam em determinados tempos.
A autora lendo algúns dos seus textos. (Fotografía cedida pola autora)
- De feito en 2015 gañou o Prémio Literário Horácio Bento Gouveia co conto A Alma do Diabo; aínda que tamén ten outros premios de relato e publicacións en antoloxías colectivas…
O premio Literário Horacio Bento Gouveia foi o primeiro premio a que concorri, por acaso ganhei. Foi um marco na minha confiança. Foi uma especie de primeira validação que me permitiu escrever, ou melhor, olhar para o que escrevia de uma outra maneira. No fundo, o juri daquele premio foi o primeiro a acreditar. Depois ganhei também o Prémio de poesía Francisco Rorigues Lobo com a obra “A Instrumentação do Fogo” que vai ser lançada em finais de fevereiro inicio de março.
- Para rematar. Ten algún traballo en marcha do que poida adiantarnos algo?
Estou a trabalhar num outro romance, mas ainda é cedo para falar dele.
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