Ricardo Fonseca: "A literatura deve favorecer a liberdade e perseguir o silêncio e a intimidade"
Ricardo Fonseca Mota nasceu em Sintra em 1987, cresceu em Tábua e acabou de crescer em Coimbra. O seu primeiro romance Fredo venceu o Prémio Literário Revelação Agustina Bessa-Luís em 2015, foi semifinalista do Oceanos – Prémio de Literatura em Língua Portuguesa em 2017, e está traduzido e publicado na Bulgária. Representou Portugal na 17ª edição do Festival do Primeiro Romance, em Budapeste. As aves não têm céu é o seu segundo romance. Formado pela Universidade de Coimbra, é autor, psicólogo clínico e promotor cultural.
Texto: Porto Editora
Fotografías: Cedidas polo autor
- Comecemos cunha idea potente. ¿Qué significa para vostede a literatura?
A literatura é um diálogo entre diferentes sujeitos, povos, latitudes e tempos. Nela participamos todos, não só os autores, os leitores e os investigadores, mas todos. Estamos todos na literatura. O autor dialoga consigo mesmo, com outros autores, com outros tempos, com o leitor. O leitor dialoga com o autor, consigo mesmo, etc. A literatura deve favorecer a liberdade e perseguir o silêncio e a intimidade (não a vida privada).
- Cómo definiría o seu proceso creativo?
Eu estou constantemente a criar. Consigo com facilidade criar no caos, entre outras tarefas. Sou muito observador e criativo, portanto o meu proceso criativo nunca é interrompido. Nem a dormir. Depois, em determinados momentos preciso criar condições para o ofício e nesses momentos escrevo o que venho criando. Uma particularidade sobre o meu proceso criativo é que sou muito cuidadoso com a criação das personagens. Como numa partida de jenga, primeiro construo a torre recorrendo a todas as peças. Depois vou tirando uma a uma até ao ponto em que se tiro mais uma a torre cai.
- Como nace Fredo (Gradiva, 2016)?
O meu primeiro romance Fredo aconteceu numa fase da mina vida em que terminei um ciclo. Após terminar o curso universitário encontrei demasiados obstáculos à entrada no mercado de trabalho. Esse vazio conduziu-me ao desafio de experimentar a prosa. Eu já sabia que conseguia competir nos cem metros, mas desconhecia as minhas capacidades para a maratona. Durante dois anos e meio deambulei à procura de oportunidades e trabalho. Vivi na Irlanda um período e foi aí, na solidão, que comecei a levar mais a sério o libro. A personagem Fredo, refugiado da segunda guerra mundial, criei-a depois de ler um artigo no jornal que falava de dois diplomatas portugueses que ajudaram a salvar dezenas de pessoas pasando-lhes vistos de entrada em Portugal na fase final da guerra. Teixeira Branquinho e Sampayo Garrido fizeram-no em Budapeste. Em Portugal, Aristides de Sousa Mendes é muito reconhecido por ter salvado milhares de pessoas através da embaixada de Bordéus, porém estes dois são praticamente desconhecidos. Quando conheci a história deles decidi imediatamente que o meu libro teria uma das pessoas que eles ajudaram a salvar.
- O Júri do Prémio Revelação Agustina Bessa-Luís sinalou que este «É um romance de aprendizagem da experiência da relação com os outros.». Ideal para esta época que vivimos…
Infelizmente, julgo que é um tema transversal a todos os tempos. Sou optimista mas acredito que no futuro continuará a ser pertinente reflectir sobre isto. Os libros do futuro, como os do pasado, continuarão a falar de poder, racismo, muros, amor, morte, relações humanas. Talvez a arte não sirva para mais nada senão para isto.
- Esta obra xa está traducida ó búlgaro. Sábese se a poderemos ler pronto noutras linguas?
Alguns excertos da obra estão também traduzidos para inglês e húngaro. Neste momento não tenho conhecimento se o libro será publicado noutros países mas desejo que venha a ser possível.
- Cal é o xerme da súa obra máis recente As aves não têm céu (Porto Editora, 2020)?
O meu último romance As aves não têm céu trata, sobretudo, de muros, limites e fronteiras. É muito súbtil e volátil a linha que separa a doença mental da sanidade, a imaginação do delirio, a culpa da memoria, do meu e do teu. Vivemos tempos em que as noções de liberdade são alteradas diariamente. No romance, todas as personagens são colocadas em situações em que a sua liberdade é limitada de varias formas. Interessouu-me explorar isso. Também é um romance que expõe a pluralidade da realidade e a sua impossibilidade, e também a forma como a memoria influencia as nossas acções e nos fragmenta.
- Coñece Galicia e a literatura do noso país?
Confesso que conheço mal a literatura galega. Mas tenho memorias muito boas da Galiza. No final do meu curso universitário, um pouco antes de começar a escrever o libro Fredo, fiz o camino de Santiago. Recordo-me de visitar a campa do escritor Camilo de José Cela. É o autor que melhor conheço relacionado com a Galiza. Conheço também o Carlos Quiroga, ainda há pouco estivemos juntos no festival literário Correntes D’Escritas na Póvoa de Varzim.
Quanto à literatura española, Javier Marías é um dos meus escritores preferidos e uma enorme influencia. Nas Correntes D’Escritas conheci pessoalmente a Rosa Montero e o Antonio Colinas, e gosto muito de ambos. Na juventude marcou-me muito um libro de Ignacio Martínez de Písón, Estradas secundárias. Especiais para mim são também Lorca e Manuel Vilas.
- Podería recomendarnos algúns libros para esta época de inestabilidade?
Recomendo Na Floresta de Edna O’Brian, Arde o musgo cinzento, de Thor Vilhjalmsson, e Nemesis de Philip Roth.
- Para rematar.Ten algún proxecto en marcha ou finalizado do que poida adiantar algo?
Durante a quarentena participei num folhetim literário chamado Bode Inspiratório que juntou 46 escritores de língua portuguesa e 46 artistas plásticos. Escrevi e interpretei uma peça de teatro telefónico para o Teatro Viriato, entre outras coisas. Tenho varios projectos em marcha e a seu tempo, aqueles que merecerem leitores, virão a público.